segunda-feira, 16 de agosto de 2010

               Hoje tudo fez sentido. Diferente dos outros dias, todos de razão dúbia e certezas nebulosas, hoje tudo está claro para mim.
               Ao acordar olhei seu rosto ao meu lado. Não havia nada nele, nada! Nenhuma expressão, nada! Sem olhos sem boca, sem nariz nem orelhas. Nada!
               O porteiro, ao me cumprimentar, também não era dono de nada em seu rosto. Apenas uma grande camada de pele, que nem negra, nem branca e nem de qualquer outra cor era, senão cinza e sem textura alguma.

               Todos ao meu redor, enquanto eu andava pelas ruas, eram idênticos. Sem nada para expressar, sem nada para eu observar em seus rostos, fosse para admirar ou para criticar. Todos nulos, todos!
               Então cheguei em meu destino, e nele haviam espelhos espalhados ao meu redor. Tinham tamanhos diferentes, desenhos diferentes. Alguns amarelos, outros vermelhos e muitos outros de muitas outras cores. Texturas diferentes eram refletidas em cada um, e cada um era emoldurado de maneira distinta um do outro. Eu olhava para todos os lados e observava estes espelhos. Rodei para direita e para esquerda. Olhei para cima e para baixo, assustado com todos estes espelhos e o fato de não me ver refletido em nenhum. Então, quando volto a olhar para frente, após tantas rodopiadas, um espelho ali se encontra. Nele me vi refletido, assim como a todos os outros espelhos, e através deste eu via meu reflexo existir em todos os outros. Eu estava diferente em cada um deles. Vestido de maneira diferente. Em alguns estava alegre, em outros estava triste. Alguns me refletiam como um homem, outros como mulher. De uma maneira ou de outra, todos os meus reflexos olhavam para mim, como se esperassem alguma atitude de minha parte. Eu corri!
               Ao passar do último espelho que me sercava, todos começaram a quebrar. Como uma pedra que, de maneira violenta acerta uma vidraça, todos estilhaçaram-se sem motivo. Do vão que ficara em cada moldura, minha voz berrava com um horror único, nunca por mim vivido antes. Senti a tristeza de todos os meus reflexos, suas dores e o ódio que guardavam por mim. Meus joelhos sederam, então ao chão eu cai. Ao tentar me erguer olhei para frente e, para minha pior surpresa, me vi de pé, com um sorriso inocente em meus lábios e olhos repletos de carinho em minha direção. Ele me ajudou a levantar, aquele eu me abraçou e então me disse que tudo ficariam bem, mas não sem antes tudo ficar muito mal. Senti algo frio em minha barriga. Era algo que eu não conseguia descrever apenas pelas sensações que disto senti. Me afastei do abraço daquele eu e, ao olhar para baixo, uma faca estava enterrada em mim. A dor começou apenas quando percebi do que se tratava, e cresceu a cada segundo em que eu permaneci vivo. Berrei muito, mas minha voz não mais existia. Me contorci no chão, banhando-me em meu próprio sangue e então morri. Mas antes do meu último suspiro, olhei de volta para aquele eu e em seu rosto vi a minha expressão mais assustadora de toda a minha vida. Era de um ódio muito profundo e também muito vivo, como um personagem a parte da existência daquele eu. Um ser próprio, e extremamente horrível. Enfim, eu.

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